sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Dois de setembro

Todo dia, debruçada no batente da minha janela, ainda embaçada pelo sereno frio que caía daquela imensa escuridão azul-marinho, via subindo lentamente, como se estivesse exibindo-se para mim, que a fotografava com minhas retinas: tão formosa lua. Todo dia.
Depois de estar cansada – não é bem essa a palavra, mas não vejo outra saída – de olhar as estrelas frias e prateadas – não é bem essa a cor exata delas, mas não vejo outra mais precisa – eu pegava meu pequeno bloco de folhas e começava a escrever. Não sem antes reler tudo aquilo quanto eu já houvesse escrito anteriormente, em noites como essa, com suas sutis diferenças climáticas e de humor.
Ácida, sabor limão. Torta de limão. Com uma bela camada de calda doce escorrendo pelas beiradas. Eu, todas essas fatias cortadas imperfeitamente. Devoradas pelo tempo.
Não sei mais onde foi que perdi parte da minha inocência jovial, aquela coisa irritante de andar equilibrando-me no meio fio e de acreditar nas pessoas. Boa parte do meu azedume se deve aos tombos nas calçadas e as rasteiras que tomei de línguas mentirosas.
É bom cair em mentiras. Uma pena eu ter descoberto isso um pouco depois de perder meus olhos no céu em tantas noites como essa, procurando as verdades voando entre as estrelas. Mentiras são como cometas. Deixam rastros, mas passam – depressa.
Aos poucos, fui aprendendo esses detalhes da vida. O modo carinhoso como os dias voam, despenteando nossos cabelos e sacudindo nossos passos. Ah, nossos pés flutuantes, um grande exército de soldados que não sabem para onde marcham. Nem pelo o quê.
Senti. Senti cada gota de todos os sentimentos que transbordam pelo mundo. Uma merda. Uma delícia. Ah, que amor arrebatador que vem banhado de ódio extremo, de querer apertar o coração com as mãos e mandá-lo deixar de ser de outro, afinal, ele está dentro do meu corpo, é meu este coração – retire-se dele.  Ao mesmo tempo é tentador guardar pessoas em si. Nesse sentido, acredito que eu seja um pouco egoísta. Me dá, me dá, me dá. Não vá. Por que as pessoas cismam em ir? Eu teimo em não sentir a falta delas.
Aquelas que ficam, nem sempre ficam. Ou não ficam do jeito que queríamos. Ah, não sei muito bem expressar em palavras isso que sinto. A frase ficou horrível. “Aquelas que ficam”, as pessoas em nossas vidas. “... nem sempre ficam” mudam. Reformulando, então: As pessoas em nossas vidas mudam. Uma merda. Uma delícia. Ah, o amor-ex-amor-amor perdido- amor – amor- ex amor- amor. As coisas giram em ciclos. As pessoas no meio de tudo. Nossas vidas no meio dos ciclos e de tudo e das pessoas. Eu fico tentando me agarrar nos eixos com o que me sobra de ingenuidade. Tratando as pessoas como objetos de decoração da minha mobília, como se eu pudesse pô-las onde eu bem entendesse, tirando a poeira da monotonia, da rotina em que estamos condicionados. Na mesmice de ser. E mais uma pessoa se vai. E isso não se parece com um objeto roubado, um castiçal derrubado no chão. É algo bem mais complexo. E simples.
Restava-me um punhado bem grande de sono e um bloco de folhas riscado. Cheio de palavras, rabiscos da mente. O vento carregava as cortinas brancas para trás de mim, que continuava olhando as estrelas vendo o tempo passar. Era hora de dar vida àquelas letras.
A gente vive dando vida às coisas. As coisas nos fazem vivos. As estrelas estavam vivas nos meus olhos, bem como o breu da noite. Era óbvio, fatídico, eu dava vida à vida. Ah, e tem tanta gente fazendo a vida morrer, fechando os olhos, apertando-os contra os dedos, como crianças com medo do escuro. Let it be, ele já dizia. Então deixa.
Como um dança sem ritmo, as palavras foram saltando dos meus dedos e colorindo as linhas da folha. Meu coração inundado, transbordava em cada palavra o que eu sou. O que já não sou, por conta de tudo que gira. Dentro de mim, havia bem mais que um poema quente em uma noite fria. Eu tinha um mundo vivo, cantando. Estrelas geladas penduradas com um fio translúcido, agarradas pelas mãos de Deus. Olhos negros me fitavam, e era a noite, que me dava vida, bem como eu fazia com as palavras. Uma imensa troca de mães, um grande berço de existência.
 Já não sei exatamente quantas noites se passaram e quanto já escrevi. Minhas mãos continuam tentando se agarrar aos eixos do tempo, inutilmente incansáveis. Mas não me deram escolha, eu fui feita de instantes e eternidade. Como um rio que corre sempre ao mar, um amor que morre sem nunca, ao menos, acabar.  
São dessas coisas que eu não sei. É sobre elas que eu escrevo.

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