sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Trinta de setembro

Quando a flor resolve murchar antes do tempo
cabe a nós repousá-la na palma das mãos
feito criança com medo,
amor que adoeceu por cuidar.
Já não sei para que deixei as migalhas no chão
se não há mais caminho de volta
há apenas uma tarde remota
que, no horizonte, não quer se pôr.
Tuas palavras soam fracas e distantes
um aceno de adeus que vem aos poucos
como imagens fotografadas por retinas estáticas
sentindo o ar inerente do fim.
Sinto-me um pouco menos viva,
catando sonhos pela vida
perdendo-me em cada migalha de mim.

Vinte e nove de setembro

De tão silencioso, nosso sonho gritou ao infinito
tinha sede de acontecer, como um filho na barriga do mundo
sendo gerado a cada instante pelo tempo.
Com seus erros discretos, aprendi a corrigir os meus
a embalar presentes e desabotoar as roupas
a cantar no vento e esperar que o som volte aos meus ouvidos
como pássaros no céu.
Destino amado, um traço cruel
de não saber onde pousar tuas asas de ferro
de não voltar para aquele que eu espero
de não ver a porta se abrir ao amanhecer
num dia preguiçoso que se encolhe.
Sonhado amor, um brado ecoado
teu gosto, que fora o meu pecado
hoje é veneno que me escorre.

Vinte e oito de setembro

Enquanto a tarde se acomoda no dia
o sol parece espreguiçar-se no horizonte
trazendo a calmaria que antecede as noites claras
banhadas pela luz dos olhos teus
Tão belos, fontes lacrimejantes,
jorrando pelos instantes a dor do que se perdeu
no mormaço amargo, no retrato da estante
a voz amaciada pelo sonho teu
Que é te lembrar, mesmo errante
que pela luz de qualquer estrela brilhante
que é rouquidão de um breve adeus.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Vinte e seis de setembro

Já não tão longe, ouço teus passos ao cruzar a sala
a rodear o lustre, a lustrar o chão com seus sapatos escuros
a devolver-me o mundo roubado
a sapatear no meu telhado de vidro.
Você já se sentiu sozinho enquanto procurava abrigo?
E teu corpo, já levitou ao ar para te ver de cima?
Eu, um devaneio atrás do outro, a saudade do velho gosto
ao imaginar que o teu rosto vagava em minha sala vazia.
Eu, um maremoto de sentidos,
um velho porto, um sonho antigo
a minha própria companhia.

Vinte e cinco de setembro

O menino fazia poesias sentado na sacada da janela
beijava a lua, pensava nela
olhava as estrelas e apontava o dedo indicador
- Aprendera a amar com a noite.

Vinte e quatro de setembro

Além dos teus atos,
bem acima de sua consciência cinzenta,
eu guardei um álbum de retratos
na gaveta empoeirada pelo tempo.
- Sem ressentimento, dizia
No apartamento, a luz luzia
pela brecha dos teus olhos, eu via o dia
lamparina gigante e amarela no céu -
O sol, aos poucos teu contorno esculpia
e meus olhos, atentos te cercavam sem pudor
nesta dança de saudade, minha vida emudecia
perdia o passo, não noto mais a melodia
de cantar-te meu amor.

Vinte e três de setembro

O problema não é sopro da sua boca
nem o peso das suas palavras,
meras bailarinas no ar,
vítima dos teus lábios cruéis.
O problema, de fato, é o que tu és
com essas tuas mãos vazias
o peito inundado de mágoa
a garganta mofada, sorriso costurado
o peso do teu fardo de ser.
E por ser quem és, atravesso do outro lado da rua
rezando para que não notes mais o meu caminhar
Eu, que faz tempo, não sou sua
tu que continuas
a me assombrar.

Vinte e dois de setembro

Eu te espero ir embora, deixo as chaves sobre a mesa fria e torta
tuas lágrimas correndo, feito rio no rosto, dizem-me adeus
E já não me faz falta ver tua alma, quase morta,
já não sei rezar para o teu deus.

Vinte e um de setembro

Manhã quente, de quente sorriso
te pinto ao olhar o infinito de um horizonte pelo vidro gelado
teus olhos, ainda parados, fitavam-me em segredo
e eu tive medo de congelar-me neles.
Peguei carona na sua névoa colorida
entreguei-te minha vida,
amuleto do acaso.
Me fiz em milhões de pedaços e esperei que tu montasse-me
como um mosaico de luz
um anjo de neve num verão cortante.
Teus olhos, ah... Eles apenas falavam
aquilo que minha boca conseguia ver esbarrar na sua
que nossas almas, leves como um canto, voavam
que nossos sonhos amavam nossa vida tão nua.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Vinte de setembro

Deixei-te partir, gaivota no vento
relógio no tempo
um tic-tac sem fim
dentro do peito
- Uma bomba,
um sujeito
uma história mal escrita, com palavras borradas
É o preço que pago pela despedida
de te olhar ir embora, mesmo sem saída
ainda que com as portas fechadas.

Dezenove de setembro

Com a porta ainda entreaberta, por conta de um vento passageiro
lembrei-me do velho janeiro, dos anos que cortaram o fio da vida
abrindo cada uma de minhas feridas
cutucando-as com meus próprios sentidos
tornei-me um pouco mais disperço, um pouco menos vivo
chamei-te para esta dança sem, ao menos, saber dançar
e te pego nos braços, te giro e balanço
e de te amar, eu não canso,
não sei desenhar o nosso final.
Os anos, ah... Tão pequenos pedaços de nada
você e eu nesta estrada
Recomençando a mesma caminhada
pelo mesmo ideal.

Dezoito de setembro

De repente, o sol dourado acinzentou-se no céu
que, ainda claro, parecia dizer que sentia sono
querendo ver a lua niná-lo
enquanto contava estrelas
Sinto falta de vê-las, é verdade
ando carregando muito mais que bagagens
são sonhos pesados, feitos de penas
são amuletos roubados
pedrinhas nos telhados
solitário poema.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Dezessete de setembro

Te esperei em cada esquina onde estive,
por cada passo incrédulo que dei
na esperança de te esbarrar ao acaso,
num descaso, não sei onde foram parar teus pés
Ao invés de regressar de longe, mandou-me cartas
pequenos pedaços de sonhos famintos,
arrebatados pela saudade que sinto
embalado pelo tempo cruel.
Ao julgar o pouco que sinto
deparei-me com o que há de mais bonito:
teus olhos refletidos no céu.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Dezessete de setembro

Enquanto teu riso se esconde na boca, te quero bem
e quando ele resolve se abrir, como flor,
uma flor brota em minha boca
a menina sã, embora louca
ensinou-me a curar minha dor.

Dezesseis de setembro

Quis escrever um poema pequeno numa tarde enorme
o sol que se punha, preguiçoso, pelas lacunas das persianas
deixava o rastro de vida a espalhar-me no tempo
a abrigar o vento pela noite que dava luz às estrelas
Pus no poema um punhado de dor que estanquei de mim
como uma fruta arrancada do pé
ainda verde, mas sem cor
Pus no meu sonho um pouco menos de fim
deixei escapar o que já não é mais assim
aprendi que se rega o amor.

Quinze de setembro

Tem faltado água no feijão
pinga no balcão
samba no quintal
teu amor agridoce, adoçou
deixando parte do amor
no que antes fora sal
Não vê, morena,
que toda canção tem sua voz
todo seu corpo é um poema
que eu só faço venerar?
Não posso esperar o carnaval,
ainda é setembro, não me leve a mal
a vida pede para eu dançar.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Quatorze de setembro

Tua vida, um rio cortando a minha
manancial de esperança e de luz
envolvendo-me em parte
levando-me ao ápice
de mim.
E chovia - dentro de nós
banhados, estávamos ao ver tamanha alegria,
inundado pelo sonho no qual eu adormecia
no qual eu despertava a cada segundo.
Tua vida, um enorme vale entre minhas mentiras,
onde fui que construi minhas ruínas?
Quem foi que acordou-me pro mundo?

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Treze de setembro

Deslizo, teus olhos me fitam
tua boca se abre, nada diz
pois quando me olha
enquanto eu durmo
sonhando, assumo,
me sinto feliz.

Doze de setembro

Enquanto houver tempo para nós
mesmo que num mero segundo
direi-te sempre as mesmas coisas
as mesmas palavras
darei-te o mundo
O beijo guardado na caixa azul
nosso corpo nu
a lembrança de cor cintilante
Discretos casos no silêncio da noite
calaram nossas vozes de puro pecado
insensatos, apenas amantes
amando nas noites
por todos os lados.

Onze de setembro

Caídas ao chão
lágrimas irreversíveis
de quem não sabe se vive
ou se sente a dor de quem partiu.
Hoje, sentada no mesmo lugar que anos antes,
pego-me pensando no instante
em que a humanidade ruíu.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Dez de setembro

Minha boca anda bem perto do peito ultimamente
com a saliva excassa, os sentimentos vazando
com o coração gritando
o que não não se pode dizer
Uma grande mescla de sentidos
por um momento, estar vivo,
me tem dado um pouco de sono demais.
E o que dizer deste rapaz que me tira o sono
que, feito rei sem trono,
parece em meu peito mandar?
Onde foi que deixei a idéia de que não tenho dono
para amargar o desespero
de ter a quem amar?

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Nove de setembro

Respiro. Como se alguém fosse notar minha caixa torácica indo e voltando. A verdade é que minha respiração, que já foi peristáltica, agora não é mais; ando fazendo força para me manter vivo. Desde então.
Da última vez que a vi, ela tinha tintura vermelha na ponta dos cabelos. Cheia de mentiras na língua. – Eu ainda te amo –. Ah, faça-me um favor... Fecha a porta e a matraca.
Acendi meu último cigarro. O relógio marcava 27ºC. Eu disse relógio? Odeio o tempo.
Meu tênis gasto nos bicos, de tanto chutar pedrinhas, as mesmas que meu pai sempre pedia para eu ignorar – você só tem esse tênis, não chute estas pedras do chão, moleque! – Ah, sinto falta dele, do hálito de cigarro, de me ensinar a ver a calcinha das meninas embaixo da escada, de dar seus remédios para o coração. Também sinto falta da mãe. Do modo carinhoso como ela me batia quando eu me metia em conversa de adulto. Ela nem sabe, mas hoje eu prefiro conversar com crianças.
O calendário marcava o dia nove de setembro. Há quatro dias eu estava sozinho. Talvez, por volta de 30 anos. Mais precisamente, 32.
Da última vez que eu ofereci um cigarro a ela, recebi um olhar reprovador – ela estava evitando. Me evitando. Há 6 dias. Fomos dormir com a janela entreaberta, com a cortina cor de vinho, estática. Não ventava naquela noite. Havia um furacão nas minhas ideias.
Aquela foi a última vez que acordei. Naquele dia, às 18:45, um táxi buzinou na minha porta, e o motorista veio buscá-la e ajudou a carregar as malas. As malas que eu mesmo ajudei a fazer, segundo ela. Eu nunca tive culpa de porra de nada, mas ela cuspia mágoas; eu mergulhava em cada uma delas, me remexia naquela coisa densa, feito lama, feito areia movediça. Ela, nem ao menos, me dava a mão. Pelo contrário, ficava num canto calada, posando por cima de toda a sua superioridade feminina-psicológica-terapêutica-moderna. Sua mente era um grande livro de autoajuda. – Para de fumar. Por que você não liga pros seus pais? Largou mais um trabalho? Isso é só um jogo de futebol... – Ela era odiável às vezes. Eu a amava completamente. Sabe quando eu percebi isso? Há quatro dias.
Desde então, não durmo. Não ouço Engenheiros do Hawaii. Não levanto a tábua da privada e nem lavo as mãos. Não vejo Two and a Half man. Passei a odiar os clipes da MTV. Não leio a parte de economia do jornal. Nem compro mais jornal. Não tomo mais suco no jantar. Não aponto as estrelas no céu, entre o vão da cortina cor de vinho. Não vou ao cinema. Não escrevo poemas enquanto deveria estar projetando casas. Não canto no chuveiro. Não uso aquele perfume que tem cheiro de chuva. Ah, você nem sabe o quanto tem chovido aqui dentro de mim, o quanto eu tento secar a cada segundo. Ao lado, vejo uma grande inundação, um dilúvio, uma grande tempestade de vida nova. E que porra de vida é essa? – Eu to bem – decorei essa frase. Nunca a usei tanto. Nunca soube de tanta gente se importando comigo, feito moscas por cima dos restos de comida na mesa. Melhor dizendo, dos farelos no chão, pisoteados. – Eu to bem – e por dentro uma retórica parecia querer se externar; tomava um soco na cara e voltava a dormir dentro de mim. Maldita sinceridade, quando, na verdade, eu precisava parecer estar bem.
Ensaiei o sorriso no espelho. O discurso de bem resolvido. Fiz a barba.
Desde então, me tornei um homem de um conto qualquer, contado por qualquer escritora jovem, cheia de ideias. Um homem ator, uma vida de mentira. Uma falsa comédia. Trágica.
Ela tinha tinta vermelha na ponta dos cabelos. Era uma ex revolucionária, que encareteou com o tempo. Já não fumava ou bebia. Já não ria das minhas histórias da época de conselho estudantil. As coisas foram perdendo a cor, e eu corria atrás delas com um pincel enorme. Mas a tinta era preta. Eu estava estragando tudo.
Desde então, não gosto das cores. Saio todos os dias vestindo cáqui ou bege e, não sei bem o motivo, isso faz eu me sentir um pouco mais da multidão. Um camaleão no meio da sujeira, da correria, da massa infértil, dos sinais vermelhos e das buzinas; de toda a falta de amor das ruas. Já não acredito em amor. Não acredito em mim, nem nela. Só tenho acreditado nas mentiras que ensaiei no espelho – Eu to bem – ninguém discordava.
Ando escrevendo cartas e fazendo menos projetos de casas. Endereço-te todas elas, só estou esperando você vir buscá-las na minha gaveta de cabeceira. Todas tem nosso amor descrito. Meu ódio descrito. Meu arrependimento gritando. Meus ensaios decorados. Minha voz te clamando pra voltar. A senha do meu cartão de crédito. O número dos teus sapatos. Tua mexa de cabelo vermelho, desbotada. Tuas pulseiras douradas. Tua paciência que eu desperdicei. Ah, como eu queria saber teu endereço, teu número de celular. Queria saber se você está bem, se tem tomado tuas pílulas de açúcar, se ainda tem medo de andar de metrô. Queria saber se sua voz ainda falha de manhã, se você ainda espirra ao olhar para o sol. Daria tudo para saber se você ainda quer ter filhos. Queria te dizer que eles sempre estiveram nos meus planos. Você não sabe, mas acabo de fumar meu último cigarro e perdi as contas de quantas vezes respirei. Andei contando as respirações, tive um pouco de dificuldade no começo, mas não resolvi parar por isso. Resolvi que vou viver, por mais que isso signifique te ver em cada esquina, te procurar nas curvas de outras mulheres. Te ver comentando sobre economia enquanto lê o jornal. Te ver ligando a TV nos clipes da MTV apenas para zombar deles. De te lembrar rindo de Two and a Half man e de me implorar para irmos ao cinema. De fazer o melhor suco no jantar. De te ajudar a escolher as estrelas mais bonitas. De te ouvir xingar ao ver a tábua da privada abaixada. De te ouvir rindo de mim enquanto eu cantava no chuveiro. Lembrar-te da sua reação ao sentir meu perfume, dizendo sempre que ele te lembrava o cheiro da chuva. Vou catar estas migalhas com o tempo. Vou desatar este nó entre passado e presente. Mas, por que diabos eu só consigo lembrar de mim nas coisas que havia você? Por enquanto o peito vai e volta. Se vai a fumaça da minha última tragada, no meu último cigarro.
É – eu to bem.

Oito de setembro

Cada dia que vem reclinado na noite
Desce pelas hastes das estrelas com sua imensidão de luzes.
Deixa amargar no céu da boca ainda úmido
O gosto da saudade de ontem.

Forte como o aço do teu esquecimento involuntário,
Frio como os cálculos matemáticos de um amor analfabeto
Deixaste aqui, no peito, calado
O beijo molhado em pleno deserto.

Mas me deixa enquanto eu posso andar
Porque meus pés já não respondem em qualquer trajeto.
Incerto, meu olhar vaga pelo dia que desce
Ainda que inerte.

Mas me deixa enquanto eu ainda posso chorar
Porque meu trajeto já não cansa os meus pés
Certamente, a minha vida aqui começa
Ainda que seja ao revés.

Sete de setembro

Nas tuas mãos, encontrei os caminhos mais complicados
tua linha de destino a cruzer-se com a minha
Eu, que fui poeta de alma vazada, boca calada, sorriso de lado
encontrei em cada palma um telhado, minha fiel companhia.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Seis de setembro

Teu mundo, embalado de fita dourada,
com o pé direito apontando pra estrada
com a boca no peito dizendo o que sente
Meus passos, abertos e condizentes
cantam-te o tempo, que pinta a vida com seu ardiloso pincel
no instante, no tempo, nos dias
faço sombra, sou sol do dia
sou lágrima que jorra do céu.

Cinco de setembro

Esqueça
se uma lágrima fria te pedir companhia durante a noite
e se ela cair sobre teus cabelos castanhos, pesados nos ombros
como um pedaço de estrela sobre o chão do mundo
Se, por um momento, teu lamento encobrir o dia
e banhar-te da luz de sua melancolia
olhe a tristeza nos olhos, tire-a para esta dança
- essa noite que não cessa
teu amor que não regressa -
Nunca fomos tão crianças.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Quatro de setembro

Triste, teu olho atento vaga no escuro
no vão que deixei das palavras que não disse
e se o nosso pobre sentimento já não existe
ensinei-o a pedir esmola do tempo.
E o que nos resta? Sentar nesta calçada suja de rotina
amargar a matinal e cruel neblina
a esbarrar com nosso sono profundo
Pois nem tudo que morre desaparece do mundo
como magia, pó de sumiço
como se não bastasse a tua ausência em noites frias
tenho que conviver com tua ausente companhia
em cada parte de ar que respiro.
Tua memória enlaçou-se a minha
e mesmo hoje, sentada no chão, sem companhia
pela tua lembrança é que vivo.

Três de setembro

Perdoe-me esta falta de gentileza
é que o prato está sobre a mesa
e a sopa ficou fria;
já não adianta fechar as janelas
espantar as moscas 
arrumar companhia.
O dia, que desce de novo, resgata o repouso 
que deixei de buscar
o tempero, amargo no gosto
o sabor mais insosso 
de não ter quem amar.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Dois de setembro

Todo dia, debruçada no batente da minha janela, ainda embaçada pelo sereno frio que caía daquela imensa escuridão azul-marinho, via subindo lentamente, como se estivesse exibindo-se para mim, que a fotografava com minhas retinas: tão formosa lua. Todo dia.
Depois de estar cansada – não é bem essa a palavra, mas não vejo outra saída – de olhar as estrelas frias e prateadas – não é bem essa a cor exata delas, mas não vejo outra mais precisa – eu pegava meu pequeno bloco de folhas e começava a escrever. Não sem antes reler tudo aquilo quanto eu já houvesse escrito anteriormente, em noites como essa, com suas sutis diferenças climáticas e de humor.
Ácida, sabor limão. Torta de limão. Com uma bela camada de calda doce escorrendo pelas beiradas. Eu, todas essas fatias cortadas imperfeitamente. Devoradas pelo tempo.
Não sei mais onde foi que perdi parte da minha inocência jovial, aquela coisa irritante de andar equilibrando-me no meio fio e de acreditar nas pessoas. Boa parte do meu azedume se deve aos tombos nas calçadas e as rasteiras que tomei de línguas mentirosas.
É bom cair em mentiras. Uma pena eu ter descoberto isso um pouco depois de perder meus olhos no céu em tantas noites como essa, procurando as verdades voando entre as estrelas. Mentiras são como cometas. Deixam rastros, mas passam – depressa.
Aos poucos, fui aprendendo esses detalhes da vida. O modo carinhoso como os dias voam, despenteando nossos cabelos e sacudindo nossos passos. Ah, nossos pés flutuantes, um grande exército de soldados que não sabem para onde marcham. Nem pelo o quê.
Senti. Senti cada gota de todos os sentimentos que transbordam pelo mundo. Uma merda. Uma delícia. Ah, que amor arrebatador que vem banhado de ódio extremo, de querer apertar o coração com as mãos e mandá-lo deixar de ser de outro, afinal, ele está dentro do meu corpo, é meu este coração – retire-se dele.  Ao mesmo tempo é tentador guardar pessoas em si. Nesse sentido, acredito que eu seja um pouco egoísta. Me dá, me dá, me dá. Não vá. Por que as pessoas cismam em ir? Eu teimo em não sentir a falta delas.
Aquelas que ficam, nem sempre ficam. Ou não ficam do jeito que queríamos. Ah, não sei muito bem expressar em palavras isso que sinto. A frase ficou horrível. “Aquelas que ficam”, as pessoas em nossas vidas. “... nem sempre ficam” mudam. Reformulando, então: As pessoas em nossas vidas mudam. Uma merda. Uma delícia. Ah, o amor-ex-amor-amor perdido- amor – amor- ex amor- amor. As coisas giram em ciclos. As pessoas no meio de tudo. Nossas vidas no meio dos ciclos e de tudo e das pessoas. Eu fico tentando me agarrar nos eixos com o que me sobra de ingenuidade. Tratando as pessoas como objetos de decoração da minha mobília, como se eu pudesse pô-las onde eu bem entendesse, tirando a poeira da monotonia, da rotina em que estamos condicionados. Na mesmice de ser. E mais uma pessoa se vai. E isso não se parece com um objeto roubado, um castiçal derrubado no chão. É algo bem mais complexo. E simples.
Restava-me um punhado bem grande de sono e um bloco de folhas riscado. Cheio de palavras, rabiscos da mente. O vento carregava as cortinas brancas para trás de mim, que continuava olhando as estrelas vendo o tempo passar. Era hora de dar vida àquelas letras.
A gente vive dando vida às coisas. As coisas nos fazem vivos. As estrelas estavam vivas nos meus olhos, bem como o breu da noite. Era óbvio, fatídico, eu dava vida à vida. Ah, e tem tanta gente fazendo a vida morrer, fechando os olhos, apertando-os contra os dedos, como crianças com medo do escuro. Let it be, ele já dizia. Então deixa.
Como um dança sem ritmo, as palavras foram saltando dos meus dedos e colorindo as linhas da folha. Meu coração inundado, transbordava em cada palavra o que eu sou. O que já não sou, por conta de tudo que gira. Dentro de mim, havia bem mais que um poema quente em uma noite fria. Eu tinha um mundo vivo, cantando. Estrelas geladas penduradas com um fio translúcido, agarradas pelas mãos de Deus. Olhos negros me fitavam, e era a noite, que me dava vida, bem como eu fazia com as palavras. Uma imensa troca de mães, um grande berço de existência.
 Já não sei exatamente quantas noites se passaram e quanto já escrevi. Minhas mãos continuam tentando se agarrar aos eixos do tempo, inutilmente incansáveis. Mas não me deram escolha, eu fui feita de instantes e eternidade. Como um rio que corre sempre ao mar, um amor que morre sem nunca, ao menos, acabar.  
São dessas coisas que eu não sei. É sobre elas que eu escrevo.

Primeiro de setembro

Vestiu-se calada com as estrelas da noite,
Saiu sem dizer uma palavra e foi dançar com o vento
Esbarrando de olhar em olhar
Sem poder adentrar
num pensamento.
Rodando de mesa em mesa à procura
De algo que talvez nada simbolizasse
Foi esbarrando de cadeira em cadeira
Sem que ninguém a notasse.
E, de repente, talvez num repente assim
Tornou-se nota da música que tocava ao fundo
Sentou-se num canto qualquer, olhando pra dentro de si
Avistou o mundo.

Trinta e um de agosto

Tu que andavas perdida
com teus cabelos soltos, teus olhos presos no espaço
Eu que te contei segredos insossos,
de carne e osso
me desfaço.
Colhia teus beijos e separava-os do joio
prendi-me no teu corpo e me deixei sumir
Tu que me encontraste perdido aos prantos,
hoje no teu encanto eu vou dormir.
E eu se puder te tocar, deixa-me ver você de longe
já que nesta vida nada irá me faltar,
mesmo que de mãos vazias,
ter você nas noites.
Como um belo raio de luz a cortar
para na vida eu sonhar
e lembrar-me de quem foste.

Trinta de agosto

Dois olhos perdidos no céu me avistavam
da janela mais alta, do prédio mais alto
com voz doce e cor de tranquilidade.
Sua liberdade fazia-me invejá-la a cada segundo
dentro de seu bater de asas, escondia-se o mundo
que, tão ágil quanto sua queda livre, mudava repentinamente.
Pintura crua, vida,
dentro desta paisagem remota
colorindo o céu cinzento de sereno
esta, tão humana, gaivota.