segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Trinta e um de janeiro


Voz e consciência

- Você pode me escutar um momento?
- Adiante logo o assunto, o tempo é curto e a vida é longa.
- Disse para que eu fosse embora, mas por qual porta eu devo sair?
- Pois bem, faça o que se sentir melhor.
- É tão ruim pensar no seu melhor quando nada parece bom. Que tal promover uma enquete entre o desastroso e o irreversível? Não dá, é demais para mim. Eu sorria ontem mesmo da tua dor, eu zombei das tuas lágrimas como um menino do outro, fui rude, imperfeito como tal.
- Não há do que se envergonhar. Mostrou tua face, e por vezes, minha vontade era te esbofetear. Agora não mais, não há dor, apenas tédio do que seríamos.
- Assim então todo dia amanhecerá noite, vigiarei você como um farol à praia. Vou cuidar das tuas flores invisíveis, habitarei teus esconderijos e serei teu sonho realizado.
- Sonho? Aquele mesmo que vem a noite e acaba pela manhã? É assim que você sempre será. O nó desatado, a tatuagem falhada e desbotada. Meu motivo de angústia, medo. Aquele que nada me ensinou, mas que me fez ver melhor cada átomo de mim.
 - É um disparate tomar-me como algo que finda. Ora! Já disse, aqui estarei até o apagar das estrelas, e serei teu desta forma, até que se canse. E se isso acontecer, serei teu abrigo, tua casa de repouso, para que o amor mesmo dormindo, viva em nós.
- E teus olhos ainda serão dela? Lembrarás dela ainda? E o perfume dela, já se apagou? Ao revê-la, sentirá aquele frio na barriga e o velho nó na garganta? Diga-me, sonho antigo.
- Chamo-te de amiga, e teu corpo me basta. Estarei preso ao teu lado para viver nos teus átrios. Serei teu para que eu não seja mais dela.
- Esta nossa irmandade atrativa, esse calor que contemos um pelo outro e está alegria momentânea que há em nós, não vinga.
- Como sabes?
- Sei por cada manhã que surge, e nos traz um tempo distinto. Mesmo com chuva forte e muitas nuvens, atrás sempre haverá o sol sorrindo.
- O Sol, por vezes, queima. E esta dor, temo novamente ter.
- Poderá estar na chuva hoje, mergulhar em cada poça d’água que sou eu, cantarolar sob os pingos, mas isso passará. A água secará e o sol, ah... O sol voltará! E toda sua brasa esquentará novamente o velho peito, as palavras não serão mais as mesmas, elas crescerão, amanhã serão frases imensas que nunca exprimirão o que de fato são. São dois perdidos, dois amores contidos, dois verões intercalados. São o curso de um rio, o sopro gelado do inverno, são as saudades do canto dos pássaros que passaram e passarão. Amanhã de tanto não serem, serão. E de tanto tempo desunidos, em um único corpo existirão.
- Pagarei para ver. E pagarei com a minha solidão.

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